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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Poético e sedutor

Cinema

24ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes começa hoje com exibição de filme dirigido pela cineasta Paula Gaitán; ela se notabilizou pelo seu experimentalismo e sua poesia

Cineasta Paula Gaitán, homenageada na Mostra de Tiradentes -Foto: Reprodução



Você dificilmente vai passar despercebido pela ousadia estética proposta pelo cinema de Paula Gaitán, 66: ela faz filmes, curtas ou longas-metragens, com ou sem dinheiro, que mostram ao público uma experiência poética sedutora e instigante. É que se chama risco calculado (consciente, ok) que respeita a integridade material em suas obras.


Gaitán, de fato, usa a câmera como se fosse extensão do pincel que segura para pintar quadros, transformando tudo ao seu redor em música, ruídos e cores. Foi Glauber Rocha – nome seminal do Cinema Novo – quem lhe disse que tinha bons olhos para ser camerawoman. Ela então firmou uma parceria com ele que extrapolou o cinema.


Desse amor existencial, cinematográfico e poético, Glauber e Paula trabalharam juntos em produções que marcaram a história do cinema, como o longa “A Idade da Terra”, filme aclamado no Festival de Cannes, em 1980, e sobre o qual o diretor Michelangelo Antonioni se referiu como “uma lição de cinema moderno”. Em Cannes, achando que ganharia a Palma de Ouro, Glauber chamou o cineasta Louis Malle de “fascista”.


Fúrias glauberianas à parte, o filme é para lá de lendário. No entanto, a obra não seria essa tertúlia artística toda se não fosse a assinatura de Gaitán à direção de arte. Quem não se lembra de Antonio Pitanga como o Cristo militar? Ou Jece Valadão, ali nas areias da praia de Copacabana, como Cristo Índio? É, devemos colocar isso na conta de contribuições ao nosso cinema feita pela inventiva e inquieta mente de Gaitán.


E, ó: eu não tenho dúvida, não. Tamanha contribuição ao audiovisual certamente foi o que levou a 24ª edição da Mostra de Cinema de Tiradentes homenagear essa artista brilhante. “Ostinato”, filme que estreia mundialmente hoje, às 20h, e abre o festival, conta a história do músico Arrigo Barnabé – sem tanta puxação de saco, claro – que nos leva a refletir sobre a produção cultural brasileira de antes e hoje. De sempre, até.


O filme é um retrato de Barnabé que foge dos padrões, mas longe de ser aquela coisa clichê que tem como objetivo tecer as glórias do personagem. Trata-se de uma obra de Gaitán e isso é muito importante ao se pensar a construção biográfica do artista. A cineasta intervém. Torna-se interlocutora. “Ostinato” é uma dramaturgia de ideias.


Estamos falando de dois gênios: Gaitán e Barnabé. “Tenho a maior paixão pela Mostra de Tiradentes, foi onde eu tive a oportunidade de apresentar vários filmes meus”, relatou a diretora, em entrevista ao podcast Metamorcast, no qual esteve repórter esteve presente. Ela conta que chegou a passar no festival com alguns curtas, como “Memória É da Memória”. “Todos os meus filmes, a maioria, eu tenho oito longas, acho que uns seis longas meus passaram na Mostra de Tiradentes”, disse a autora.


Segundo o crítico e curador da mostra Francis Vogner, a obra da Paula responde de maneira abrangente ao emblema da experimentação estético e poético. “Cada um de seus filmes se empenha em buscas distintas, sempre novas, abrindo caminhos inexplorados sobretudo por ela mesma. A cada filme ela refaz, repensa, redescobre e reinterpreta a dimensão do personagem, do tempo, do plano, da montagem e do som”.


Gaitán, realmente, é simbólica: “Eu me definiria como uma pessoa curiosa e uma estudante permanente, de tudo, até hoje. Outra maneira de eu me ver diante do mundo é o estudo. Eu acho assim, o cinema, pra mim... eu não fiz uma carreira... por uma questão de status: ‘ah, eu quero virar diretor’ ou por que “ai, eu vou me colocar no mercado de trabalho. Essa ideia de cinema é muito visto como um lugar de privilégio”.


Então, diz Vogner, reconhecer a dimensão da obra já consolidada de Gaitán “é um trabalho misterioso e inquieto, de independência e singularidade radicais, que possuem poucos paralelos na produção artística atual”.


Um das mostras mais interessantes de Tiradentes, a Homenagem é uma oportunidade de conhecer conjuntos de filmes dessa que, sem dúvida, é uma das principais cineastas brasileiras. Gaitán é a síntese de um exercício radical de cinema de vanguarda. É político, porém sem os vícios desse tipo de filme. É autoral, muito, autoral. Gaitán sabe que é impossível dissociar o mundo do cinema, a imagem da realidade.


Muito além de Paul Gaitán ser conhecida como ‘a diretora de arte que trabalhou com Glauber’, ela sentiu e viveu o cinema brasileiro e sua história de uma maneira que apenas a arte é capaz de captar o sentimento da alma humana. O cinema é isso; as rtes plásticas são assim; a vida é isso... viva a vida; viva o cinema; viva a porra-toda.

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