Júlia Aguiar
“Precisamos que pessoas brancas que se dizem antirracistas entendam seu papel nessas eleições”
Eleição 2020
JM entrevista Keit Lima, candidata a vereadora em São Paulo capital, pelo PSOL

Keit tem o mesmo número que Marielle Franco quando eleita em 2016. Foto: Arquivo pessoal da candidata
Keit Lima é de Recife, aos 8 anos de idade ela veio com a família para o bairro de Brasilândia, na periferia da grande São Paulo. Aos 29 anos, Keit concorre a um cargo para a Câmara Legislativa da capital, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), com o número 50.777. Assim como muitas famílias nordestinas, a família Lima veio em busca de saúde pública e melhores condições de vida, pautas que marcam a campanha da candidata.
“Aqui em Brasilândia vivemos um descaso total, durante a pandemia o bairro liderou por vários meses consecutivos o primeiro lugar nas mortes pelo novo coronavírus, apesar de não ter o maior índice de contaminados”, conta Keit em entrevista por telefone para o JM. A candidata pontua que nos hospitais públicos do bairro é preciso esperar 62 dias para marcar uma consulta com algum clínico geral, algo que influenciou diretamente no tratamento dos pacientes com a Covid-19.
São Paulo é a cidade mais desigual do Brasil, segundo dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), na capital paulista os 10% mais ricos têm nove vezes mais empregos em uma distância de 30 minutos de caminhada de onde moram, em contraste com os 40% mais pobres. “A gente nunca teve acesso à cidade, aqui existe uma discrepância entre qual parte da ponte (do rio Tietê) que você está”, explica a candidata.
“A desigualdade na cidade de são Paulo é pautada no racismo estrutural, não dá para tratar o racismo como uma parte do problema. Eu não vou parar um momento para falar sobre racismo porque todas as vezes que eu for pensar em educação, saúde, transporte e cultura temos que pensar em racismo. Absolutamente tudo temos que pensar em recorte de raça, classe e gênero”.
Propostas
Keit Lima tem como base sete pautas para construir políticas públicas - educação, emprego e renda, habitação, transporte, cultura na periferia, saúde e São Paulo sem gordofobia - para a candidata esses pilares são fundamentais para pensar uma São Paulo menos desigual. “Minhas propostas têm como centralidade os problemas estruturais, eu acredito que não dá para tratar essencialmente sem corrigir a desigualdade social. São essas pessoas que não têm os acessos garantidos, e todas as propostas foram feitas coletivamente”, conta em entrevista ao JM.
Todos os corpos devem ter seus direitos garantidos, é por isso que um dos temas principais da campanha de Keit é “São Paulo sem gordofobia”. Lima explica que a capital é uma cidade em que corpos determinados tem seus direitos garantidos, “é muito importante a gente falar de autoestima, porém precisamos falar de saúde, de política pública mesmo. Eu quero que pessoas gordas tenham braçadeiras em hospitais, eu quero que tenha uma maca para uma mulher gorda parir”, afirma.
A gordofobia é também um problema estrutural, Keit conta que atualmente as pessoas gordas não conseguem fazer exames por falta de estrutura nos hospitais, “a gente tem essa realidade de que o corpo gordo já é tratado como doente, precisamos garantir que as pessoas tenham tratamento adequado”.
Sobre racismo Lima é muito clara, é preciso uma educação antirracista. “Ninguém aprende com fome, essa criança tem cor e tem classe. Eu construo o movimento negro há mais de 10 anos, eu quero pensar numa educação que não tenha fome”.
“Eu sou uma mulher preta e gorda, me candidatei pelo PSOL porque acredito que não há ninguém melhor para estar no poder que as pessoas que sentem na pele o impacto da sociedade, eu acredito em política pública feita em primeira pessoa”.
Anticapitalista

Keit Lima é candidata pelo PSOL em São Paulo, capital. Foto: Arquivo da candidata
Não é por acaso que todos os candidatos que estamos entrevistando para a cobertura das eleições de 2020 são anticapitalistas. Sim, caro leitor, estou sendo transparente. Keit explicou muito bem em entrevista ao JM, “não dá pra falar de esquerda sem mulheres negras”.
“Sou uma mulher de esquerda, são as mulheres negras que levam a esquerda para a esquerda, porque somos nós que fazemos um marco civilizatório, eu disputo esse lugar da esquerda onde mais tem um projeto de mundo em que eu acredito”.
Keit, que abertamente se declara anticapitalista, acredita que não tem como legislar sem os movimentos sociais ao lado, “para mim não existe uma forma de fazer política sem os movimentos. São eles que precisam fazer as políticas públicas, não existe outra forma”. Ela ainda reforça que muita das vezes mulheres negras não são se quer atendidas em espaços de poder, “essa é a importância de a gente estar lá”.
Para a candidata, o momento sombrio que a democracia brasileira está passando é derivado de uma grande disputa de narrativas. “Eu já sofri tanta violência nesse processo, mas não tem como voltar atrás, não é confortável e não nos querem lá. É válido lembrar que não é por acaso que negros e mulheres não são eleitas, é um projeto político para nos excluir”.
Ela expõe que essa é uma nova forma de se fazer política, com afeto e cuidado, algo que sempre foi malvisto por quem está no poder. A violência cotidiana vira estatística, mas esses corpos nunca são chamados para resolver o problema. “Os nossos fatos vêm de muito longe, a gente também constrange esse outro, quando eu estou falando de periferia e pessoas negras eu não tô falando dos outros, eu estou falando de mim, dos meus. Essa responsabilidade, com proposta, mas com PROPÓSITO, eu sei que isso não é visto com bom tom porque a gente também escancara o privilégio de alguns”.
“Queremos tirar os privilégios, falando sobre isso abertamente, com transparência. Essa é a única forma de se fazer política”
Racismo
Keit Lima dá recado para as pessoas brancas que se dizem antirracistas: “ser antirracista é sobre prática. Não dá pra se dizer antirracista e não votar por mulheres negras, se nós não estamos lá não é por acaso. Pare para pensar em qual lugar você está, por mais que estejamos falando de estrutura, estamos falando de responsabilidade estrutural. A gente precisa que pessoas brancas que se dizem aliados, realmente entendam seu papel nessas eleições. Eu realmente espero eleições antirracistas. Quero gritar mulheres negras ELEITAS, e não mulheres negras presentes”.