Lee Aguiar
Quando a desesperança bate na porta
Doce Viagem

Ensaio surrealista sobre as mulheres mortas na Ditadura Militar (1964-1985). São Paulo, março de 2019. Foto: J.Lee
Há dias que minha fé perde o brilho e fico imersa na tristeza de estar viva enquanto assisto ao vivo todas as atrocidades causadas pelo fascismo capitalista.
Eu me pergunto se cabe realmente tanta dor em um coração tão pequeno quanto o meu. Será que ainda existe esperança quando temos mais e 130 mil pessoas imersas na água, logo ali, no Acre? Será que cabe mais tristeza ao perceber que ninguém se importa?
Sim, sofro do alto de meu pífio privilégio. A realidade queima em brasas vivas minha pele a espera da revolta. A cada suspiro me sinto mais e mais afogada. Os dias se passam e sem perspectiva me sinto a cada minuto mais morta, logo eu, que sou tão apaixonada pela vida.
Tento transformar minha tristeza em ódio, cotidianamente me forço a observar a revolta que toma outros povos em outros lugares para sentir – mesmo que distante – uma tragada de esperança.
Porém, pelas terras tupiniquins, nem mesmo nossa “oposição” está disposta a largar o osso intoxicado pela política oportunista e eleitoreira para abraçar a revolta popular. Pouco importa para esses vermes se as pessoas estão morrendo ao céu aberto, se o seu “presidente” for novamente eleito tudo irá mudar! GLÓRIA! TEMOS UM SALVADOR, e advinha? É um homem branco burguês.
Confesso que não guardo meu ódio para ser destilado aos meus “iguais”, o inimigo real não são eles. Ou será que sim?
A raiva me toma por inteira em explosões de fogo intenso, correndo todos os meus órgãos em busca de uma leveza que só é encontrada no movimento surrealista de ocupar as ruas, os prédios públicos, ao quebrar bancos, estátuas escravagistas, bater em fascistas...
A melancolia me transborda em dias de inerência existencial. Será que o que eu faço impacta alguém ou falo sozinha nesse universo tecnológico?
Busco diariamente algo que alimente a revolta que há em mim como forma de sobreviver ao caos.