Lee Aguiar
Quando viraremos uma marcha?
Doce Viagem

Ato em justiça por Mariana Ferrer, dia 8 de novembro de 2020 - Candelária, Rio de Janeiro. Foto: J.Lee
Querides companheires,
Quando viraremos uma marcha contra o patriarcado? Uma marcha contra o machismo, unificando as forças de todas as hermanas desse continente plural que se chama América Latina. Somos tantas. Com problemas tão estruturais: somos abusadas, estupradas, censuradas, mal pagas e com responsabilidades imensas. Cuidamos da casa, das famílias, dos filhos e da energia de todos os homens que nos acompanham, mesmo eles nos violentando. Cuidamos do planeta, pois somos Pachamama.
Quando viraremos uma marcha, hermanas?
Quiçá, nunca. Temos tretinhas e briguinhas internas que impedem a revolta popular, e sim, perco minha carteirinha de anarquista toda vez que faço uma crítica ao movimento que tanto amo e me identifico. Os homens anarquistas dominam nossa ideologia, seja na teoria ou na prática. Não porque não existem referências de mulheres fodas, como Zélia Gattai, Emma Goldman, Lucilia Rosa, Ruana Roco Buela, Maria Lacerda de Moura, Inés Güida de Impemba, Abigail Botelho, Helena, Deep Alpa e tantas outras de nós, vivas ou mortas.
Acredito que a existência é uma grande viagem amarga, e que somente a poesia pode transforma-la em doce como goiabada. Porém, preciso relatar o que vejo, sinto, vibro. Este espaço semanal me serve também como terapia hermética, e lhes digo, querides leitores, estou cansada de nossa desunião.
Não porque acredito que devemos fazer uma grande "união pela democracia", nem muito menos porque acredito que essa democracia que vivemos é de fato democrática, me recuso a ser ingênua, mas não nego a realidade que percebo ao meu redor. O que vejo são mulheres sendo estupradas a cada 12 horas no Brasil, 150 mulheres assassinadas por dia, mulheres trans e travestis sendo ameaçadas cotidianamente, é urgente uma união.
Mas, há ainda puristas que acreditam que o problema são as bandeiras. Os partidos. A democracia. Para mim, o problema é o patriarcado e o entendimento de que não me interessa aonde vamos combate-lo, só que quero continuar viva, sem ser violentada, com respeito e dignidade, mesmo que somente em minha bolha esquerdista. Não é o que acontece.
Atire a primeira pedra quem nunca foi abusada, estuprada ou simplesmente desrespeitada por um homem que se auto-intitula de "esquerda radical". Vivemos um problema estrutural, meus caros.
Me enche os olhos de alegria ver mulheres negras e periféricas ocupando um espaço que é nosso por direito, o poder vigente - que não acredito ser o ideal, mas é o consolidado e o que realmente nos impede a ter o direito sobre nosso próprio corpo. Me enche os olhos ver Benedita em um ato pelas mulheres, porque ela, mulher preta e periférica já deve ter sofrido muito, assim como eu e tantas outras. Não me interessa se ela é ou não candidata a foda-se o quê, o que me enche de esperança é saber que essas mesmas mulheres que dizem estar lutando para que os movimentos sociais estejam dentro das decisões políticas, estejam de fato sendo coerentes com suas falas.
Para mim, é sobre coerência. Me sinto desrespeitada em perceber que alguns candidatos - em sua SUMA maioria, homens brancos da "esquerda" - que usam das pautas progressistas como mote de campanha e nunca pisaram num ato, lado-a-lado com os movimentos sociais. Não é o ideal meus caros, eu sei que não é, mas pelo menos é menos hipócrita. E me desculpem, isso pra mim já é o suficiente, por agora.
Lembrem-se sempre: sorte a de vocês que não queremos vingança.
Eu quero.
Até semana que vem, para acompanhar minhas fotos: www.behance.net/fotografajulialee