- Gabriell Araújo
''Rap de Massagem''
Cultura
Hot e Oreia lançam um álbum em conjunto e provam que o surgimento do DV Tribo foi uma das melhores coisas que já aconteceram para o rap nacional

Foto: Capa do álbum ''Rap de Massagem'', arte de Paulo Abreu
O cenário pós-sulicídio propiciava o surgimento de novos rappers e grupos, dentre eles o coletivo mineiro DV Tribo. Formado em 2015 pelos mc’s FBC, Djonga, Hot, Oreia, Clara Lima e o beatmaker Coyote. A música ‘’Diáspora’’, episódio 109 do Rap Box, é uma das músicas mais importantes na minha vida, cada verso e cada batida ainda são capazes de me causar a mesma emoção que senti ao ouvi-la pela primeira vez e de acordo com o spotify, foi a música que mais escutei em 2016 e a terceira mais tocada em 2017 nas minhas playlists.
Quando o grupo anunciou a pausa na produção musical unificada, por diversas semanas lamentei, ainda não era capaz de compreender o que aquilo significava. Hoje, afirmo que por pior que tenha sido a interrupção, o rap nacional há tempos não estava tão bem servido de músicas com a qualidade que a geração elevada foi capaz de nos dar em suas respectivas carreiras solos. Eu precisaria de outras matérias para escrever sobre a qualidade dos três álbuns do Djonga, sobre o álbum S.C.A. do FBC e pelo EP ‘’Transgressão’’ da Clara Lima.
E agora a pouco, nesta segunda-feira (22), fomos agraciados com o lançamento de um dos melhores álbuns do ano, ‘’Rap de Massagem’’, dos mc’s do Hot e Oreia. E antes de fazer a minha resenha sobre as músicas, tenho que elogiar as Fotos 360, de Diogo Andrade que estampa e eleva os vídeos do YouTube para um patamar ainda mais alto do que era possível imaginar.
Desde o primeiro lançamento da dupla jamais pude passar uma semana sem ouvir. Mesmo individualmente, os seus talentos específicos e suas características únicas são extremamente agradáveis para mim. As referências e as ideias como, a ‘’voz feminina’’ do Oreia no single ‘’Poder’’, tornam tudo mais interessante e inigualável.
Eu já tinha uma grande expectativa para esse álbum, pois, desde ‘’Consome’’, que foi um single em conjunto com a Pineapple StormTv, eu já havia percebido que essa dupla tinha uma personalidade, irreverência e uma originalidade que poucas vezes eu tive a oportunidade de ouvir dentro do rap nacional, por isso, sinto-me extremamente feliz e satisfeito ao escutar cada faixa do novo disco.
Dentre os perfis da Pineapple, enquanto todos idolatravam o Choice, eu passei semanas escutando ‘’Fábio Assunção’’, do Oreia, uma música recheada de referências de uma forma que apenas esse mc é capaz de compor. Mesmo no seu primórdio, ainda no álbum ‘’Pé do Ouvido’’, o talento era perceptível para aqueles que entendiam o que ele tinha pra falar. Eu poderia passar um dia inteiro falando desses dois, mas sem mais delongas, vamos ao álbum!
Na primeira faixa somos recebidos com um eparrêi, uma saudação para Orixá Iansã e que tem o sentido de um ‘’Olá’’ com admiração. Essa com certeza é a música mais introspectiva do álbum, nela somos tocados pela realidade e pelas dificuldades que a carreira pode oferecer antes do sucesso.
‘’Vida loka, vida de microfone
Lembra nós com fome, escrevendo
Consome?
Fazendo show de 100 real
Sem saber na real
E na saída perdemo 100 real pros homi
Quem vê assim pensa que é ‘’oba oba’’
Mas não é bem assim, ‘’pera opa’’
Eai André tenho pensado que:
Não precisamos mas vender prensado’’
Com ótimas alterações no beat, um coral infantil no refrão e uma letra que toca no fundo da alma terminamos a música todos sorrindo ao mesmo tempo.
A segunda faixa já nos foi a apresentada há um bom tempo e se chama ‘’Eu Vou’’. Todos que tiveram a oportunidade de assistir o clipe puderam entender a dimensão da genialidade que habita ali. Oreia, Hot e Djonga eram respectivamente Chicó, João Grilo e Deus, uma das referências ao álbum ‘’O menino que queria ser Deus’’.
‘’Deus acima de tudo, Deus acima de todos
Deus acima de tudo, Deus acima de todos
Acima de todos mesmo, pisando na cabeça
Esmagando, vai, vai’’
‘’É, o som era sobre Bolsonaro
Alguns amam, outros detestam, tipo mastigar cebola
Só que não falo de quem da boca sai merda
E que de tanto falar merda, hoje a merda sai pela bolsa’’
Uma música direcionada principalmente a políticos conservadores, que com discursos infelizes tomaram lugares nos três poderes e vem causando grandes estragos para a sociedade brasileira, mas se engana quem acredita que é apenas sobre isso que a música se trata, várias são as referências e essa é a minha deixa para vocês irem conferir.
A terceira música do álbum se chama ‘’rappers’’ e é um trap com o beat do Coyote. Aqui as rimas evidenciam os antagonismos que existem entre os dois mc’s e o restante da cena.
‘’Se não ficou clara a nossa intenção
Nós estamos fora da caixa, eles no caixão
Se tem que ser assim, então vai ser assim’’
‘’O seu rapper favorito me acha esquisito
A amiga da sua mina me acha bonito
Parece não ser nada, mas é um conflito’’
‘’Você tá perdido, amigo?
Não conhece DV Tribo?’’
O rap tem como base uma cultura e os mc’s atuais estão sempre bebendo da fonte do passado, é evidente que muita coisa atualizou, entretanto, certos modelos de comportamento são padrões e raramente não aparecem nas músicas. Hot e Oreia são alguns daqueles que fazem o caminho inverso, negando alguns arquétipos, por isso talvez, eles demonstram intenso prazer em chocar o público com sua irreverência.
No fragmento sobre o ‘’seu rapper favorito’’, há uma referência a música ‘’Caro Vapor’’, de Don L, em que ele afirma: ‘’E se eu não for seu rapper favorito. Eu provavelmente sou o favorito do seu favorito’’. Por fim, se você está perdido, claramente não está acostumado com esse tipo de som e automaticamente não era um ouvinte do DV Tribo.
As três primeiras faixas já são mais que suficientes para que se entenda a profundidade da obra que nos foi concedida. Espero que esse texto seja capaz de criar curiosidade e interesse em conhecer mais a fundo cada música desse álbum que tem tudo para ser um dos melhores do ano.
O rap é sempre pra alguém, ele fala de alguém e se vocês não sabem fazer rap ninguém mais sabe!
Meu mais profundo agradecimento ao Hot e ao Oreia!
Agora, o rap não é mais chato demais.