JM
Revolução até na arte
Atualizado: 22 de ago. de 2020
80 anos
Assassinato de Leon Trótsky completa oito décadas, mas marxista ainda segue admirado e odiado. Entenda a ligação dessa importante figura política do século 20 com a arte

Da esquerda à direita: Diego Rivera, Leon Trotsky e André Breton - Foto: Reprodução/ Manuel Álvarez Bravo/ 1938
Marcus Vinícius Beck
Paulo Leminski, poeta que nunca fez questão de esconder sua admiração por Leon Trótsky, dá a letra: “A máquina mental e intelectual de Trótsky era mais complexa que a de Lenin. Seus interesses eram mais plurais. Suas leituras, mais diversificadas. Seu horizonte, muito mais amplo. Leia-se, por exemplo, o voo utópico do final do ensaio Arte Revolucionária e Arte Socialista, capítulo oitavo do seu livro “Literatura e Revolução"'. Trecho escrito na biografia “A Paixão Segundo a Revolução” (1988), as palavras de Leminski condensam – com sua linguagem saborosa e com sua poética – a trajetória do chefe da Revolução de 1917.
De modo prazeroso, Leminski relaciona os acontecimentos de outubro de 17 ao enredo do romance “Irmãos Karamazov”, escrito por Dostoiévski. A vida do líder soviete, de fato, foi marcada pela arte. E comparações como a tecida pelo poeta, exemplificam metaforicamente a visão desse político que, na juventude, vestia-se com elegância (seu traço característico) e apaixonava-se por cantoras líricas, como um poeta romântico do século 19. Não é um acaso, portanto, a proximidade de Trótsky com Futurismo (“enfrentou uma tentativa para salvar-se, por meio de um plano individualista) e Simbolismo (“transformar a realidade”).
Só pra constar: seu gosto pela arte está registrado em “Literatura e Revolução”, a mais bela obra de crítica literária que nenhum político foi capaz de escrever. Bem pensado, caro Leminski. Anos antes de refugiar-se no México e conviver com os pintores Diego Rivera e Frida Kahlo, Trótsky dissertou sobre a obra de Maiakovski, poeta russo influenciado pela Revolução. Já exilado no México, nos anos 30, o soviete assinou um manifesto com André Breton (a mente brilhante por trás da concepção estética do surrealismo) e manteve-se fiel a robustez do pensamento, o que distinguiu-lhe dos bolcheviques e atraiu a inveja deles a si.

Ilustração do revolucionário Leon Trotsky feita pelo artista Ulisses Arajo – Foto: Reprodução/ Pinterest
Antes de tornar-se um dos líderes da Revolução Russa, o refinado intelectual marxista teve uma infância sem penúria financeira. Assim como Lênin, filho de funcionário público, cujo pai era graduado na máquina burocrática estatal. Diferentemente do caso de Stalin, oriundo de família pobre. O autocrata governante russo, aliás, é um caso à parte: era o único dos chefes da Revolução a vir de classe popular da sociedade. Talvez, sabe-se lá, não é?, por isso tenha institucionalizado a maluquice do Realismo Socialista, que, na definição do pintor Aleksandr Gerasimov, nada mais era do que o realismo “na forma” e o socialismo “no conteúdo”.
A verdade verdadeira, ok eu sei que esse trocadilho é batido..., é que os pais de Lev Davidovitch, vulgo Tróstsky, mandaram-no para uma escola judaico-alemã, a quilômetros da fazenda onde moravam. Ele não se adaptou, porém. Os progenitores, então, trouxeram-no de volta, sem ter aprendido o iídiche nem o hebraico. A essa altura, no entanto, já falava russo, logo ele que conversava apenas em ucraniano. Pouco tempo depois, com ajuda de Spitzer, foi estudar em Odessa, no Mar Negro. E foi ali que Trótsky iniciou-se na vida intelectual refinada, ouvindo música clássica, cultivando hábitos polidos e lendo clássicos russos e europeus, como Goethe, Tolstoi e Charles Dickens.
Em Odessa, cidade que tinha certa vida cultural, Trótsky começa a ser figura carimbada na platéia das óperas, junto com outros estudantes. Aos 17 anos, o jovem ainda não havia ouvido falar de marxismo, e levava jeito para a matemática – por pouco não seguira carreira universitária dedicada às ciências exatas. Diz Leminski que a atividade política do posterior líder soviete floresceu de uma carência pessoal, uma paixão intelectual, um descontentamento interior. O irônico, podendo ser visto até os dias atuais, é que os bem nascidos podem travar batalhas pelos famintos. Estes, muitas vezes, são submetidos às agruras do capital, e calados.
Obra
Passados 80 anos de sua morte, a obra de Leon Trótsky - no marasmo autoritário que se tornou a União Soviética sob o comando de Joseph Stalin - ilumina a discussão sobre a necessidade da democracia no socialismo. Ao longo da vida, Trótsky participou de duas revoluções que foram responsáveis pela escrita de obras chaves, como “História da Revolução Russa” (1930), “Revolução Traída” (1936) – entre outros títulos que passaram a ser cultuados como clássicos do pensamento político. Em 1905, ele era o que poderia se chamar no Brasil atual de extremista. De sua cabeça, saiu a ideia de criar os sovietes – conselhos populares cujos representantes eram eleitos diretamente.
Como a revolução nessa vez não passou de uma tentativa fracassada, Tróstky exilou-se na Sibéria. Por lá ficou até 1917 e por lá publicou “Balanço e Perspectivas” (1906), onde diz que o capitalismo era um sistema mundial contraditório cujo progresso sustenta-se a partir do atraso. De volta para a casa, foi um dos líderes da tomada de poder, experiência a partir da qual inspirou-lhe a escrever a obra “História da Revolução” (1930 e 1932). Com a morte de Lenin em 1924, supunha-se que ele seria o sucessor. Ledo engano: quem ascendeu foi Joseph Stalin. Sobrou-lhe, então, o exílio até ser assassinado, a mando de Stalin, com golpes de picareta por Ramón Mercader, a 21 de agosto de 1940.
Filme 'O Assassinato de Trotsky', do diretor Joseph Losey