JM
Revolução jornalística
Livro
Em livro-reportagem, jornalista narra como foi definido a criação e a concepção visual e textual do Jornal da Tarde

Rotativas no parque gráfico do Jornal da Tarde na década de 1960 - Foto: Reprodução
A imprensa brasileira estava na década de 1960 sob escrutínio do regime militar, certo? Mas, veja só que loucura: sequer a mordaça mais punk dos generais foi capaz de conter o ímpeto criativo dos jornalistas que pautavam, escreviam, editavam e diagramavam o histórico Jornal da Tarde, vespertino da família Mesquita que revolucionou por décadas o jornalismo brasileiro com textos inspirados no Novo Jornalismo de Gay Talese, Tom Wolfe, Norman Mailer e, é claro, do doidão Hunter S. Thompson, pai do Jornalismo Gonzo.
Tudo isso, por quê? Ora, o livro-reportagem Jornal da Tarde: Uma Ousadia que Reinventou a Imprensa Brasileira, do jornalista Ferdinando Casagrande, fala por si só: da primeira à última linha o leitor é convidado a sentir a empolgação que permeia o processo de produção da notícia. Todos na barulhenta redação dos anos 60 não sentiam os sacrifícios inerentes à busca pela informação e, de quebra, no esmero em apresentá-la da maneira mais clara, objetiva, direta - isso tudo, é importante salientar, sem perder a elegância textual.
Criada a partir da invenção do telégrafo, em 1843, a fórmula da pirâmide invertida se resumia a uma necessidade das empresas jornalísticas do século XIX de enxugar gastos. Mas para que a ideia fosse executada com maestria era necessário que o repórter abrisse a reportagem com o aspecto mais importante ou interessante do fato, daí a criação do lead (conduzir, em tradução livre). Só que esse modelo norte-americano não se aplicava ao Jornal da Tarde, e os editores Mino Carta e Murilo Felisberto flertavam com o modelo da revista The New Yorker.
Principais capas do vespertino da família Mesquita
Aí está o diferencial do vespertino. Se os repórteres da revista norte-americana poderiam se dar ao luxo de lapidar o texto ao longo de um mês, com o vespertino era bem diferente: nem todos ali dominavam os ensinamentos de Tom Wolfe e companhia. E, é óbvio, um jornal não se faz somente com gênios da literatura. Era preciso falar a língua de São Paulo, estar atento às transformações comportamentais e culturais que fervilhavam por conta da Tropicália, do Cinema Novo, do Teatro de Resistência… e o JT conseguiu ter essa sintonia com o leitor.
1968 foi o ano da ruptura de paradigmas, da embriaguez, da utopia e do tesão. Foi também o ano em que Glauber Rocha colocou a terra em transe, que Rogério Sganzerla lançou o clássico do Cinema Marginal, O Bandido da Luz Vermelha. Foi ainda o ano da esperança nos pés dos craques que faziam do futebol-arte o principal canal de comunicação com a sociedade. Foi, antes de mais nada, o ano da música de protesto de Chico Buarque e Geraldo Vandré.
Sem dúvida, o segredo do sucesso do jornal estava na apresentação que a informação era dada ao público, nos títulos ora poéticos, ora secos, nas fotos abertas em cinco colunas, na diagramação leve, arejada, na pauta feita para o cidadão paulistano. Sim, os jornalistas que faziam o Jornal da Tarde acontecer tinham a mesma idade dos jovens rebeldes que criavam coisas novas, que reivindicavam mudanças, que expressavam inconformismo, que queriam tudo aqui e agora. “Seja realista, queira o impossível”, dizem eles.
Jornal da Tarde: Uma Ousadia Que Reinventou a Imprensa Brasileira, que faturou o prêmio Amazon neste ano de melhor livro-reportagem e foi lançado pela Editora Record em novembro, retorna a uma era do jornalismo que acabou - hoje as redações são silenciosas e quase não há o tec-tec das máquinas. Esse, porém, é o sabor do obra. Jornalista com passagens pelas redações da Veja, O Estado de São Paulo, Gazeta Mercantil, Diário Lance! e Revista Nova Escola, Ferdinando Casagrande tem texto fluído e narrativa sóbria. É uma boa obra.
Ficha Técnica
‘Jornal da Tarde: Uma Ousadia que Reinventou a Imprensa Brasileira’
Autor: Ferdinando Casagrande
Gênero: Livro-reportagem
Editora: Record
Preço: R$ 52,90