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Rumo à um segundo mandato presidencial?
Política
Cada vez mais a possibilidade de a extrema direita se manter em 2022 vai se construindo sem serem colocados obstáculos no caminho

Jair Bolsonaro, também conhecido como o inquilino demente do Palácio do Planalto, foi parar no noticiário nas últimas semanas por ofensas - Foto: Reprodução
Texto: Lays Vieira
Entre os dias 7 e 10 de fevereiro deste ano, foi realizada a 4º Pesquisa Veja/Instituto FSB, que ouviu 2.000 eleitores, com margem de erro de 2 pontos percentuais e confiança de 95%. Alguns dados importantes que foram apresentados são o aumento de 31 para 36% na avaliação de ótimo e bom do governo Bolsonaro, superando pela primeira vez o índice de ruim ou péssimo (26%); a aprovação, segundo a pesquisa, alcançou 50%; a visão favorável quanto as políticas de combate ao desemprego subiu de 14 para 24%; por fim, nos testes de cenários eleitorais, Bolsonaro lidera, inclusive em eventual disputa com Sérgio Mouro.
Enquanto isso, o campo progressista (claro que não é uma regra, há exceções), ao menos no que é mais perceptível na esfera pública, atualmente muito representada pelo que encontramos nas redes sociais, faz o que?
Discute o BBB?! Fantasias politicamente lacradoras no Carnaval?! Mouro blinda ou não milicianos e Guedes falou outro de seus disparates esdrúxulos?! Sim, em certa medida, há um nível de legitimidade em se discutir isso, mas a questão é: o quanto de espaço essas discussões têm e outras são invisibilizadas ou colocadas em segundo plano (quem vem discutindo a importantíssima greve dos petroleiros?)?! Nós, do campo progressista, nesse ritmo, seremos exterminados. Um eventual segundo mandato dessa extrema direita será ainda mais prejudicial e predatória para o cidadão (nem a classe média irá se salvar).
E os partidos, atores essenciais dessas dinâmicas e disputas, estão fazendo o que, especialmente os à esquerda do espectro político nacional? Batendo cabeças?! Já escolhendo candidatos e articulando coligações para 2022 (é importante, mas é o momento?)?! Seremos salvos por um candidato heroico e milagroso que nos livrará de Bolsonaro? Depois da novela Mouro-Lula, das fake News e da utilização de algoritmos, nossas eleições ainda são cem por cento imparciais?! Os partidos progressistas precisam assumir melhor as suas responsabilidades históricas.
Da esquerda à direita: Jodi Dean e Bernard Manin - Foto: Reprodução
Nessa conjuntura, as análises e propostas referentes a partidos políticos elaboradas pela filosofa política Jodi Dean, talvez sejam úteis para dar certa luz (ou até uma singela proposta de resolução) para essa complicada crise pela qual vem passando os partidos.
Bernard Manin, já apontava como a distância entre o governo e a sociedade, representantes e representados, parece estar aumentando nos anos mais recentes. No contexto atual brasileiro há dois diagnósticos mais comumente debatidos e adotados no que se refere ao distanciamento entre eleitores e partidos políticos nas democracias: de um lado, a produção de um eleitor indiferente aos partidos, mas devidamente interessado e informado sobre assuntos políticos; e, por outro lado, eleitores que abandonam os partidos como canal de mediação, o fazendo em troca de maior postura alheia e alienada em relação à política, configurando um cenário de risco para a legitimidade democrática. O desalinhamento partidário brasileiro estaria mais ligado ao segundo ponto, ou seja, o sentimento de alienação em relação aos partidos (mesmo se fazendo presente, também, a indiferenciação).
Frente a diversidade cotidiana, o partido parece longe, abstrato, calculista e instrumental. Buscando então mudar essa percepção e resgatar a utilidade do partido, Dean, traz uma definição dessa categoria não em termos de ideologia, programa, liderança ou estrutura organizacional. Ela aborda em termos de dinâmica dos sentimentos que gera e mobiliza. Ou seja, aqui o partido fornece uma infraestrutura afetiva através da qual as experiências diárias ganham significados distintos daquelas canalizadas via capitalismo, o partido matém aberta uma lacuna pela qual as pessoas poderiam se ver na luta coletiva mudando o mundo.
A autora parte da ideia de partidos e oligarquias de Robert Michels. Mas, o interessante é que ela não vai se debruçar no fato de que ele entende a base do partido sendo formada pelo seu programa. O que interessa a autora é a dimensão psicológica (em termos do inconsciente e os reflexos disso no sujeito político) encontrada nas colocações de Michels. No fim, desemboca-se em uma definição de partido, que terá em sua base a dinâmica de sentimentos que gerada e mobilizada nos sujeitos.
Para deixar claro o entendimento que defende, a autora usa como exemplo a personagem Lilly, do livro romance “The Romance of American Communism”, de Vivian Gornick. Na história, Eric Lanzetti é um dos organizadores do partido comunista e Lilly uma jovem membra, pertencente à mesma sessão que Eric. Segundo este, Lilly era uma comunista trabalhadora e consciente, com um forte senso de classe. Ela morava sozinha com o pai, um judeu ortodoxo, que não dava nenhuma atenção a ela ou à sua atuação política ou qualquer outra coisa. Ela sempre fazia o café da manhã, saia para o trabalho, voltava, fazia o jantar, ia as reuniões do partido, voltava para casa novamente, dava leite quente ao pai antes que este dormisse e pronto. Se não fosse por seu trabalho, eles morreriam de fome. Mas, ainda assim, ele era seu pai e ela estava com medo dele.

Vivian Gornick - Foto: Reprodução
O motivo veio a toma cerca de um mês depois em uma das reuniões. Lilly foi falar com Eric hesitante, ela começou a contar a ele sobre um homem por quem estava apaixonada. Imaginando que o assunto deveria ser a moralidade/tabu do sexo antes do casamento, Eric começou a pautar como isso não era um problema, mas Lilly logo retrucou: "Oh, não, não, não é nada disso. Claro, nós estamos dormindo juntos. É que ele é chinês. Estou com medo de dizer ao meu pai que queremos nos casar”. Eric então se ofereceu e ofereceu toda uma delegação do partido para acompanha-la no dia da conversa, caso ela quisesse.
Um mês depois, Lilly se aproximou de Eric novamente. Ele perguntou o que havia acontecido com relação ao pai e seu relacionamento. Segundo Lilly, ela demorou um pouco para ter coragem, mas finalmente disse ao pai que ia se casar. Seu pai perguntou: "Ele é judeu?". Ela: “Não, ele é chinês”. O pai de Lilly ficou em silêncio por um longo tempo. Depois: "Eu vou te matar" e ela relata que seus joelhos começaram a se dobrar, mas então, de repente: “foi como se você estivesse lá na sala comigo. Eu vi você e todas as pessoas com quem trabalho aqui e eu senti como se todo o Partido estivesse ali mesmo na sala comigo. Olhei para meu pai e disse a ele...Se você me mata, quem vai cozinhar seus ovos?”
É disso que se trata a concepção de Dean: de construir solidariedade, de se tornar muitos, do poder da coletividade e da consciência de não estar só. Não é uma questão de autorização para uma ou outra postura, ou atender a alguma expectativa, ou ser isento de erros, a questão é construir e acumular o sentido de muitos, de solidariedade. A consciência de classe, já presente em Lilly, não é o mesmo que a confiança política ou o otimismo prático que o Partido inspira. A vida de um bairro, assim como a experiência no local de trabalho, podem gerar uma sensibilidade compartilhada ou mesmo uma identidade.
Essa sensibilidade, não é suficiente por si só para se fazer política, mas ela alimenta o potencial político. Assim, no que tange ao campo da esquerda política, em especial aquela em que o horizonte estratégico reside em profundas transformações estruturais quanto aos arranjos econômicos e políticos prevalentes no liberalismo democrático, a relevância da subjetividade coletiva encerrada nos partidos deve ser vista com mais relevância e centralidade. Caso contrário, seremos cada vez mais esmagados e 2022 será cada vez mais um horizonte impossível.