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Rumo àquele abraço


Atriz americana Amber Heard em cena do filme ‘Diário de um Jornalista Bêbado’


Marcus Vinícius Beck

A moça estava na fila do raio-x do aeroporto Santa Genoveva com seu smartphone às mãos, delineada tatuagem à mostra na altura do ombro, outra sinuosa no antebraço, lindíssimos cabelos negros grandes, teclando sem parar - já reparou como os dedos delas teclam com rapidez orquestrada as frases do tesão no WhatSapp libidinoso nosso de cada dia?


Mas sem essas divagações analógicas de macho da Idade da Pedra Lascada. O que importa é que ela faz a cara mais safada do mundo. São múltiplas feições do desejo de quem voará para a felicidade nos braços do seu amor. Ela provavelmente deve estar contando os segundos para entrar logo no avião. Estou ansioso, não gosto de voar.


Foda-se eu… quem liga para um jornalista cuja estética, vamos e venhamos, tem semelhanças irretocáveis com uma página gutemberguiana mal-diagramada, cheia de sangria e viúva?


É deveras deselegante deixar uma mulher, desacompanhada, pegar um avião rumo à paixão, não? Não mesmo. Os tempos mudaram. Nada mais justo, prazeroso, do que esquentar o encontro com promessinhas virtualmente excitantes. Vale tudo nesta hora. Até soltar o verbo com a destreza lírica e tarada de um Antônio Maria, manejar o vernáculo com o galanteio de um Paulo Mendes Campos a fim de provocar no receptor uma ereção tecnológica.


Veja a situação pelos olhos do escriba: estou parado na fila, coço minha calvície precoce, segurando um impresso com notícias do Palácio do Planalto estampadas na capa, ela ri com tesão, respira fundo, chegam as amigas, ri mais um pouco, daí aperta o celular contra o peito. Para completar, exala uma vontade de viver com intensidade, como a personagem Chenault, do romance “Diário de Um Jornalista Bêbado”, obra do doidão-mor, Hunter S. Thompson.


Ops, o raio-x apita, a esteira é iluminada pela luz vermelha, vermelha como sua calça, mas não há sinal de proibido para o amor que viaja a outro Estado da Federação. Como se nada dessas intercorrências burocráticas de aeroporto estivessem ocorrendo bem a um palmo de sua frente, ela dá meia volta, tira o casaco, com seus braços à mostra, ave rapaz, que braços!, tal como naquela fita taradona do Truffaut, “O Amor Que Amava As Mulheres”, sabe?


Tira o sapato… que pezinho… Tira o colar, pulseiras, cinto, relógio... Um maravilhoso strip-tease aeportuário.


Mas a geringonça, dá pra acreditar?, ainda dispara a apitar um pouco mais. O sorriso dela está mais safado do que nunca, meio Monalisa, meio Alinne Moraes na série “As Cariocas”, adaptação para a telinha global do clássico do escritor Stanislaw Ponte Preta.


Deixem, meus caros proletários do raio-x, ora pois, a moça ir rumo à felicidade! O que custa, exclamei, em meu cocuruto prestes a explodir nas possibilidades do amor, deixar ela passar?


Eu, por exemplo, macho com defeitos de fábrica, e com muitos deles, diga-se de passagem, também apito quando levanto da cama naquela ressaca kafkiana. Refiro-me àquela típica de quando você está cruzando a linha etária do um quarto de século conservado nos barris da boêmia.


A verdade é que rolaram muitas tentativas até a moça, finalmente, passar pela divisória que a autorizaria às aventuras do amor. A cada mensagem digitada, revela uma barriguinha - toda mulher, meus senhores e minhas senhoras, precisa dispor desse atributo físico, como dizia o poeta e xará Marcus Vinícius de Moraes, mais conhecido como Vinícius de Moraes.


Na sua poltrona 16D, imprensada entre uns homenzarrões, teclou o smartphone do amor e da safadeza até a aeromoça lhe advertir. Fechou os olhos, apertou o cinto, repousou as mãos entre as pernas e cochilou em meio ao algodão da troposfera.


Daqui a pouco a gente vai pousar no Santos Dumont…


Esteira, mala e a moça no smartphone do amor… Levantou a cabeça só quando avistou o seu rapaz, um desses barbudinhos modernos e quase hipster. Deram um beijo desajeitado, coisa típica de primeiro encontro. Agora, torço, menos zap do tesão e mais contato pele a pele.


Afinal, como diz o poeta carioca pornográfico Eduardo Cac: para curar um amor platônico, só uma trepada homérica.


Marcus Vinícius Beck, jornalista e escritor. Autor de ‘Diário Subversivo’

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