JM
Rumo ao golpe
Editorial

Série "Futuros Passados" da artista Deep Alpa.
O Brasil marcha rumo ao golpe. Não um golpe com canhões nas ruas ou soldados segurando fuzis nas calçadas. Um golpe com faceta mais moderna, usando o Congresso para corroer o Estado Democrático de Direito. Um golpe orquestrado pelos militares que se sentiram ofendidos com a Comissão Nacional da Verdade (CNV). Um golpe no qual os delinquentes de 64 são professores e, claro, glorificados por uma trupe de matadores treinados cuja especialidade é... ceifar vidas sem peso na consciência.
Esqueça o que você ouviu dos analistas da grande mídia brasileira: estamos na iminência de um golpe civil-militar. Ao que tudo indica, é questão de quando ou onde. Num malabarismo judicial, Bolsonaro conseguiu uma licença para “comemorar” aquilo que essa gente chama de “movimento democrático de 64”.
Canalhas: nós temos ódio e nojo de vocês, como disse o velho Ulisses Guimarães, na Constituinte de 1988.
Na tarde de terça-feira (30), três generais decidiram sair à francesa dessa farsa democrática. Os comandantes: Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) entregaram carta de demissão conjunta, afirmando que “os militares não participarão de nenhuma aventura golpista”. Tal crise é inédita no país, tendo breve procedente no auge dos anos de chumbo, quando o ministro do Exército Sylvio Frota, em 1977, foi demitido pelo presidente Ernesto Geisel.
O movimento irônico dos generais foi em apoio ao ex-ministro da defesa e general da reserva Fernando Azevedo e Silva, que tinha sido demitido pelo sicário que ocupava a presidência da república, na tarde de segunda-feira (29). Azevedo afirmou à imprensa que não iria submeter às Forças Armadas as vontades de Bolsonaro. O curioso é acreditar que os generais são democráticos, ignorando que eles louvam a "revolução de 64", os torturadores e o estado de exceção.
Não podemos esquecer que Jair Bolsonaro e sua corja de assassinos são o próprio golpe. Vamos continuar afirmando que não há possibilidade de acreditar que vivemos em uma democracia plena após o impeachment golpista de 2016, quando Michel Temer (MDB) implementou perseguições, censuras e medidas de austeridade à classe trabalhadora e aos estudantes de todo o país. Nós não esquecemos das bombas, tiros e repressões vividas em 2017. Não esquecemos o assassinato à queima arquivo da vereadora Marielle Franco (PSOL), que lutava contra a milícia carioca - e, portanto, bolsonarista -, muito menos esquecemos a violência exarcebada das eleições de 2018.
Não esquecemos os 89 mil reais depositado pelo Queiroz, criminoso de estimação da família Bolsonaro, na conta da primeira dama, Michelle Bolsonaro. Não esquecemos os ataques à imprensa. Não esquecemos que Hamilton Mourão afirmou que o torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra era um homem "louvável e respeitável".
Malditos milicos: planejam nossa morte sem vergonha nenhuma de angariar um genocídio do povo brasileiro, transformando o Brasil em uma gigante câmara de gás aberta ao ar livre.
Não esquecemos dos doentes de Covid-19 que morreram asfixiados no começo do ano. Nem as famílias que ficaram sem energia por semanas no Amapá. Não esquecemos a subnotificação de indígenas mortos pelo garimpo e pelo coronavírus. Nós não esquecemos.
Não podemos esquecer, pois é isso que eles querem: destruir e apagar nossa memória.
É muito claro: temos ódio à ditadura. Ódio e nojo. O Brasil precisa passar a limpo seu vergonhoso passado. Em 1964, ao contrário do que arrotam os milicos (de pijama ou não), foi inaugurado uma época de perseguições, prisões e assassinatos. Pais não puderam enterrar seus filhos. Nem filhos enterrar seus pais. Toda uma geração foi dizimada nos calabouços da tortura. A produção cultural e a atividade jornalística tiveram de conviver com mordaças.
O legado da ditadura? Gente como Pazuello, Augusto Heleno e a fila é grande... São alunos aplicados, formados pela trupe da Guerra Fria. Precisamos rememorar nossa História, precisamos rememorar Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Vladimir Herzog e tantos outros que tombaram pelas garras do autoritarismo que dá suas caras, numa versão xerocada e pós-moderna.
Estamos rumo ao golpe, porém, vamos continuar gritando: DITADURA NUNCA MAIS!