Victor Hidalgo
Sobre dificuldade nos jogos digitais e acessibilidade
Opinião
O valor do trabalho e a recompensa do cérebro

Arte do jogo Hollow Knight - divulgação
A dificuldade nos jogos no passado era uma forma de arrancar mais fichas dos jogadores que gastavam o seu dinheiro nos falecidos fliperamas. Você tinha vida limitadas e desafios que eram construídos para exatamente tirar elas do bolso das crianças e dos tios que curtiam uma jogatina na rodoviária.
Claro que não é o mesmo caso para todos os jogos da época, sempre houve jogos e jogos, todos com propostas diferentes. Podemos usar o mesmo critério de dificuldade para um jogo de quebra-cabeças complexos que demandam pensamento lógico de um que foca em reflexos e atenção ao ambiente ao seu redor?
Acredito que a análise tem que ser adaptada de acordo com o tipo de arte que está sendo produzida e entregue na mão dos jogadores. Mas entramos em outras questões quando falamos disso: o que te diverte em um jogo?
O que você está buscando quando escolhe um título para investir o seu tempo? Acredito que poucos entram em um jogo sem saber um pouco sobre ele, e qual sua proposta. Quem vai jogar um Hollow Knight sabe que está entrando em um jogo de ação e exploração com elementos de história escondidos nos cenários com uma narrativa sombria e misteriosa. Mas, ao mesmo tempo, pode não saber que é um jogo de mecânicas complexas que demandam muito da sua atenção.
Esse é um demérito do jogo? Qual foi a intuição inicial dos desenvolvedores ao criarem os cenários e os desafios que cercam aquele mundo? Séria a dificuldade o único atrativo e o resto apenas para esconder esse fator? Mas, o mais importante, é divertido?
O que é divertido para um pode não ser para o outro. Muitos encontram entretenimento em desafios, outros, em exploração. E é nesse ponto que gostaria de chegar quando falo de dificuldade nos jogos sendo uma ferramenta de trabalho e alienação de gameplay.
É como investir o seu esparso tempo que já é utilizado no seu trabalho em um segundo trabalho. Vejam, não digo que isso não pode ser divertido, cada um sabe como o seu cérebro funciona, mas é exatamente essa alienação que gera prazer para muitos jogadores, por isso, a resistência em mexer nela, tornado mais acessível para aqueles que não possuem o tempo para investir e que possuem alguma deficiência e não podem desfrutar de um jogo por conta dele não ser acessível.
E por que existe uma resistência tão grande em torna-los mais acessíveis? Por conta de uma coisa que eu gosto de chamar de “meritocracia dos jogos”. Você lutou muito, investiu muito tempo e trabalho para conseguir chegar até aquele ponto, sacrificando horas de seu tempo para superar aquele desafio e receber sua recompensa. Seu cérebro entende isso e libera aqueles deliciosos hormônios da alegria.
Sabendo que tem uma forma de tornar aquele processo mais fácil, mesmo que você tenha a opção de continuar jogando no modo difícil, esse jogador acaba não valorizando a experiências que ali pode ser proporcionada a ele. Como se ele soubesse que pode “roubar” a qualquer momento que um desafio maior possa aparecer.
O que é algo que foi fomentando na mente de quem joga já a anos. Esses jogadores mais velhos já tem gravados em suas sinapses onde estão os botões do controle, as teclas do seu teclado, reflexos necessários para reação entre outras coisas. Esses jogadores já tem todos os verbos gravados em sua mente, foram criados no meio.

Ponte do primeiro Dark Souls - divulgação
Por isso existe muita dificuldade em aceitar essas mudanças, e jogos influentes como Dark Souls acabaram reacendendo a chama da dificuldade dos jogos, assim como o debate sobre o que torna um jogo difícil e acessível.
Sinto que o debate está muito mais maduro hoje nos círculos de desenvolvedores do que com os jogadores. The Last Of Us II tem opções fantásticas de acessibilidade, pegando um exemplo recente. E isso não estragou nem um pouco a experiência do jogo. No final, acaba sendo um desafio para que os estúdios pensem nas abordagens de seus jogos além de um inimigo que tenha uma barra maior de vida para você descarregar o seu pente. Uma dificuldade artificial.