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  • Gabriella Campos

Solidão

Afrescos da alma


Foto: Júlia Lee


Solidão, ausência. Há quem estima, outros nem um tanto. Tem dias que me evoca o estado de nirvana. Podendo também a magia de um ventre, mas deste eu não me lembro. É necessidade humana que quando saciada torna o coração asséptico.


A alma se ajeita, amorna, num canto escuro da caixa torácica. A ausência de luz afaga. O peito é tomado pela metamorfose que o torna leito e este assegura as emoções. De modo genitor, tutelam as dores de sua filha amada. Me tomam para si.


Tem dias também em que essa está mais aguçada. Penetrante, ácida. Acolhe, mas antes ou depois ela quebranta. A angina sufoca. Quando menos espera és triturada por uma avalanche de sucata mundana.


Agora, encontra-se submergida pelas águas eivadas do pacífico humano. O corpo hidrata. A pele se embebeda do líquido sem nenhum pudor. Teu corpo vira templo ornamentado pelos chafarizes da perdição. Maldição! Em busca de ar puro, clamando por concórdia entre as perturbações e sensato juízo, recebe a enxurrada pútrida que agora permeia veias e artérias. Faz sentir todo o peso do vazio próprio que sustenta o físico. A alma sucumbe. Suplica por amparo.


Sorrateiramente tem-se o corpo inundado pelas águas da solitude. Vem quieta, barulhando baixinho. Tampona as vias da respiração e faz colapsar de pouco em pouco. A mente, o que sobrou é aquilo que se viu no espelho. Um físico abatido e incapaz de pensar. Por fora, carne. Por dentro, nem alma. Desagua num vazio. Cheio de nada. Terra sem chão. Primeiro constrói-se o império e em fração, num sopro de lobo, cai por terra e leva junto a razão. Cria-se ambiguidades. Te torna aflito e instável. Os olhos, estes abertos ou fechados?


Na luta pela redenção, pedidos de misericórdia parecem lógicos. Abertos, vislumbro o cômodo soturno. Por mais que haja prevalência de cores, aparenta-te sem luz. Sem presença e vivacidade. É como visualizar a mata queimada pelo bicho homem. Sem vida. Ossada de outros, agora vítimas, que se foram com a seca. O silêncio arde tanto quanto sol de serra. Tem-se de companhia os pequenos mosquitos e abutres que zombam da morte.


Ostentam tua miséria. Gargalham. Fechados, me visto do véu da noite que enroupa a dor de alma. Esta, invisível aos olhos. Por hora, parece não existir. O grito espiritual com sonidos de desespero ensurdece os ouvidos. As memórias fragilizadas se reinventam. Criam-se vultos que assombram. Taquicardia.


Assisto de olhos fechados o velório do corpo pela tela da pálpebra. Tem sangue na lente. Assisto sozinha. Solidão.

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