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  • Foto do escritorJúlia Aguiar

Subnotificação de mortes indígenas

Covid-19

Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana denuncia subnotificação de indígenas mortos pelo novo coronavírus

Foto: Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana


Apesar da reabertura do comércio e os bares lotados nas grandes cidades, a pandemia está longe de acabar no Brasil. Os dados oficiais apontam mais de 138 mil mortos pelo novo coronavírus no país, porém, a Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana afirma casos de subnotificação de indígenas mortos pela doença na maior reserva indígena do mundo, a Terra Indígena Yanomami (TIY).

Segundo o último estudo divulgado pela rede, há casos de contaminação em 20 das 37 regiões da TIY, nessas aldeias o isolamento social é impraticável, dado a cultura coletiva dessas comunidades, que dividem casas e utensílios domésticos. O estudo aponta que cerca de 1/3 da população total de 27.680 indígenas Yanomami e Ye’kwana já tenham sido expostos e/ou contaminados pelo Covid-19, a instituição pontua que já são 18 indígenas mortos pelo vírus, sendo 8 confirmados e 10 suspeitos.

Entretanto, a Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) afirma que desde abril foram registrados somente sete óbitos pela pandemia. “Nos parece que a política de subnotificação produzida pela SESAI é a construção do discurso de uma baixa letalidade que serve como narrativa do Ministério da Saúde para veicular a falsa notícia de que a situação na Terra Yanomami não é crítica”, afirma o pesquisador Daniel Jabra, da Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana, em entrevista ao JM.

Jabra explica que a narrativa do SESAI é usada como argumento frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), para negar a gravidade da pandemia na área indígena. “Enquanto a transmissão comunitária segue totalmente fora de controle nas comunidades, as autoridades sanitárias parecem se dedicar ao mascaramento de sua negligência, e forja-se, assim, um falso cenário de controle do avanço do novo coronavírus entre os Yanomami e Ye’kwana”, continua o pesquisador ao Jornal Metamorfose.

O Brasil é um país que não sabe realmente quantas pessoas já foram infectadas pelo vírus, tendo em vista a pouca testagem em massa da população. Segundo o professor do Instituo de Biociência da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Lahr, em entrevista ao G1 em junho deste ano, “o Brasil está testando brutalmente menos do que deveria. Na melhor das hipóteses, 20 vezes menos do que é considerado adequado. É tão pouco que a amostra pode ser basicamente ignorada”.

No caso das comunidades indígenas não é diferente, foram realizados somente 903 testes pelo SESAI até o dia 21 de setembro, o que representa apenas 3% da população da Terra Indígena Yanomami. “Desta forma, sem uma testagem efetiva e sistemática, é impossível rastrear a doença e controlar sua expansão nas comunidades”, afirma Daniel.

A subnotificação é práxis antiga dos militares, tendo em vista a censura dos anos de chumbo e todos os corpos escondidos, inclusive por epidemias na região norte do Brasil. O panorama desastroso do governo Bolsonaro no enfrentamento da pandemia é evidenciado pelo genocídio ambiental angariado pelo Ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, “tem que aproveitar a pandemia e passar a boiada”, afirmava na fatídica reunião ministerial de 22 de abril.

Com o aumento do desmatamento na Amazônia, Cerrado e Pantanal, garimpeiros e fazendeiros ameaçam cada vez mais reservas indígenas, levando inclusive o vírus para essas comunidades. Na Terra Indígena Yanomami não é diferente, mais de 20 mil garimpeiros ilegais continuam a atuar na região, estima-se que o novo coronavírus se espalha mais rapidamente por conta do desmatamento na área.

“Não era para a gente tá morrendo disso, por causa de doença forte né. Então, eu digo: é pra SESAI de Boa Vista tá mandando teste de covid-19, para tá mandando também, para nós aqui do rio Marauiá, porque até hoje não está chegando teste rápido de covid-19. […] Agora tá acontecendo, tá aumentando sintoma de covid-19, tá aumentando. O que a gente pode fazer? Como a gente vamos saber se é realmente covid-19? Se acontecendo daqui do rio Marauiá, como que a gente pode descobrir? Se foi de covid-19 que a gente tá morrendo? A gente tem que saber qual doença que tá matando a gente. Se não tiver esse teste rápido de covid-19, a gente não tem nem como descobrir que essa doença que tá matando a gente?", relata Francisco Pukimapiwëteri Yanomami, da região do rio Marauiá, Amazonas, em julho deste ano para a Rede Pró-YY.

Segundo a Rede Pró-Yanomami e Ye’kwana a subnotificação dos óbitos de Covid-19 entre os indígenas é sistematicamente produzida pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI). “Seja por mera ausência de registro de óbitos em seus boletins, pela falta de testes ou escamoteamento do diagnóstico das mortes atrás de comorbidades”, conta o pesquisador Daniel Jabra.

Dentre as principais comorbidades citadas pelo pesquisador entre a população da Terra Indígena Yanomami (TIY) esta a malária, que desde 2015 cresce exponencialmente na área indígena, em deriva dos garimpos ilegais. Sabe-se que o novo coronavírus agrava quadros já graves de pacientes que possuem outras doenças, muitas vezes levando ao óbito.

Segundo dados do Ministério da Saúde, foram registrados em 2014 cerca de 2.896 casos de malária na TIY e em 2019 foram 16.613, o que representa um aumento de 473%. Dos 18 óbitos confirmados pela Rede Pró-YY, 8 estavam com malária. Dos 10 óbitos suspeitos, 8 tinham comorbidades conhecidas e não foram testados.

“Para que se diminua a subnotificação é preciso aumentar e sistematizar as testagens, acompanhar os casos suspeitos com sintomas típicos de Covid-19 e investigar todos os óbitos ocorridos em regiões onde o novo coronavírus já se fez presente”, pontua Daniel Jabra ao JM.

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