JM
A transição do Rap de mensagem para o ‘Real Trap’ em Anápolis-GO
Cultura
Ao falar em transição, quero demonstrar que é um tipo de música ainda muito fundamentada em críticas sociais e desenvolvimento de um pensamento

Foto: 12º Festival Motriz Hip Hop Underground Anapolis-Go
A chegada
Minha chegada nessa cidade se deu por volta de junho de 2009. Desde muito cedo tive influências do Rap/Hip-Hop na minha evolução pessoal, parte disso deriva dos meus primos que, desde 2005, eram envolvidos com esse tipo de música. Eu, portando, estava perto e acabei também me envolvendo e gostando muito. Provindo do interior, mais especificamente da região sul do Tocantins, as influências do Sertanejo eram muito fortes por toda região. Mas, nada tinha a ver comigo.
Tendo essa iniciação no Rap que se deu em torno de um disco do Racionais MCs, chego a Anápolis e me deparo com novas realidades musicais e também, pela primeira vez, pude ver pessoas fazendo Rap, ou melhor, participando de movimentos em prol do Rap. Coisa que na cidade do interior era impossível, uma realidade cultural distante.
O primeiro grupo que escuto soar por aqui, ou melhor, propriamente Anapolino, é um grupo que aparentemente tem apenas um vocalista e se chama Raga Luke. Esse grupo de Rap tem fortes influências com o cenário do Rap nacional, pertencendo, ao meu ver, à velha escola do Rap. Tendo contado com inúmeros outros grandes grupos de Rap que se mantinham em ascensão pelo Brasil. Tais como: Racionais MCs, Facção Central, Realidade Cruel, dentre outros. Portando, sinto que este grupo, por excelência, pertence a velha guarda do Rap, tanto nacional quanto Anapolina pois, ao meu ver, é o grupo mais antigo e que tem particularidades na sua escrita, passando uma mensagem aos seus ouvintes. Grande característica deste grupo. Talvez, o pioneiro Anapolino.
O que chamo de Rap de mensagem aqui nada mais é do que uma música que envolve destarte para pensamento sobre a vida cotidiana nas suas difíceis realidades. Uma música que envolve um aspecto religioso como sendo um norte, um guia, uma aproximação de Deus para lhe garantir um bom caminho, uma boa conduta para viver nessa vida difícil, muitas vezes periférica e cheia de perigos. O alerta que a música traz, a mensagem.
Podemos ver aqui alguns trechos que mostram isso que foi falado. Servindo já para uma comparação que logo mais farei com o Trap.
“Quando você acha que existe esperança Morre mais uma criança Uns tem teto, outros tem a lama Uns pedem e pacificam, outros matam e roubam”
Raga Luke – Sangue nas Flores.
Esse tipo de escrita pertence a um período do Rap nacional que, de certa forma, compunha todas as letras do Rap que eram produzidas por grupos de todo país. Essas mensagens nos fazem refletir sobre a problemática urbana, a pobreza, a violência. Assim que tive os primeiros contados, gostei muito. O salto para a nova escola do Rap, sobre tudo em Anápolis, ainda vai contar com algumas características trazidas do Rap de mensagem, por exemplo: a tentativa de vencer na vida, por meio da música, para poder dar para a família, para a mãe, uma vida melhor.
A transição
Com o passar dos anos, a tecnologia aumentou, as coisas mudaram e inevitavelmente, a música também. Levarei em conta aqui dois grupos de Rap que residem em Anápolis. Um que, ao meu ver, considero de transição dentre o Rap de mensagem e o Trap, e um que percebo ser o estilo mais próximo que se entende por Trap no cenário mundial.
O primeiro grupo que citarei é o Internos MCs. Um grupo que particularmente gosto muito, talvez tenha sido esse grupo que me fez gostar ainda mais desse estilo musical nessa cidade até então, nova, em que resido.
Ao falar em transição, quero demonstrar que é um tipo de música ainda muito fundamentada em críticas sociais e desenvolvimento de um pensamento, um alerta, algo que se escuta e faz pensar. Mas dentro disso, há características novas como: um Beat (batida) muito agressivo, tratamento vocal em efeitos na voz, clipes com uma riqueza de efeitos, cortes e detalhes de vídeo clip, frequência sonora mais rápida e posição/entonação de voz mais agressiva. Gerando assim uma agitação generalizada entre quem canta e o público, algo alucinante. Marca comum em Rap/Trap.
Veja aqui um trecho de uma música deste grupo:
“A frustração em cada olhar. Cheiro de enxofre. Toxina no ar. Não é o melhor, mas esse é o lugar... Era aqui mesmo que eu devia estar.”
Internos MCs – I'm Psycho
Essa música, nas vozes e atitudes dos MCs (2CBI) e (Bonne) são absolutamente envolventes, agitado e traz uma união entre os ouvintes, muito gratificante. Um grupo que carrega nas suas letras reflexões fortes, algo muito autêntico a esse grupo, todas suas músicas são assim, ao mesmo tempo agressivas e pensativas. Algo genuinamente singular.
A nova escola
Por fim, cabe agora o ponto chave, a chegada do que eu chamo de ‘Real Trap’ na cidade, algo novo no cenário mundial e também aqui.
Por Trap, entendo, um estilo musical com o uso do Autotune (para gerar mudanças na voz), graves pesados, ritmos próprios e diferentes batidas eletrônicas, o uso de onomatopeias e influências dos mais variados temas. Isso é um breve relato do que se entende por Trap, gênero musical derivado do Rap que ganha cada vez mais espaço no trabalho de artistas espalhados por todo o mundo. Tendo muitos músicos que produzem Rap/Trap a maioria das vezes só dentro desse estilo como: Migos, Young Thug e Recayd Mob, aqui no Brasil.
Já aqui, não se tem uma presença forte de mensagens reflexivas, nem de críticas sociais. Há, ao meu ver, uma espécie de Hedonismo expressado nas letras. E peço que entendam por ‘hedonismo’ algo que gira em torno da maximização das satisfações pessoais. É aí que entra o que mais se fala nesse estilo de música: dinheiro, drogas, mulheres, carros, ouro, luxo, prata, etc.
O grupo que se chama CORVOsquad, que produz seus sons por intermédio da sua própria produtora Astronaut Studios. Expressa esse estilo de escrita, de música, que vejo ser o mais próximo do Rap/Trap, tendo como referência quem deu início a toda essa nova geração, os Norte-Americanos, como por exemplo: Migos. Aqui no Brasil, alguns nomes também me chamam atenção, esses, já em grande escala no cenário nacional; DaLua, Recayd Mob, UCLÃ, Lil Vith.
As letras carregam muito citações de marcas de luxo, e um estilo de vida que também pode ser muito bem classificado como luxuoso, sempre enaltecendo o seu próprio grupo no decorrer das letras.
Veja aqui algumas de suas letras:
“Fala! fala!, do Teller vocês falam.. Ele tá de Nike, de Balenciaga”
“CorvoSquad colocou Goiás no mapa”
CorvoSquad - Papel Principal
“Minha Gang é o futuro dessa porra, o futuro vai ser meu e um castelo para a coroa”
“Antes que vocês pensam que eu cheguei aqui atoa, estou indo para o aeroporto, hoje eu paro em Lisboa”
Very Rare - ‘Coroa’, relação direta com a mãe, família.
Como se pode ver em nesses recortes de suas músicas são letras que expressam uma vivência ou tentativa de alcançar algo/estilo de vida que lhes são particulares, ora do próprio cantor, ora do grupo em conjunto. Letras que expressam uma busca por melhoria de vida, luxo, ascensão social e um alto padrão de vida, tudo conseguido por intermédio do Rap/Trap.
A identidade do grupo me parece muito forte, algo bem singular em relação a outros grupos que produzem Rap na cidade que, nesse momento, julgo que não há tempo para discorrer sobre.
Em uma de suas músicas há um trecho que é pertinente citar para que vejamos a construção de uma identidade forte. O trecho fala: “Preto style com a shoulder bag de grife”. (Corvo – Piet, Burberry, Balenciaga). Essa frase está ligada com a própria marca desenvolvida pelos integrantes do grupo, uma marca de shoulder bag, ANASTACCIA Creative Company, que já é bem divulgada na cidade. Isso lhes traz uma identidade maior, utilizam também para venda, e assim aumentando seus seguidores desenvolvendo um estilo novo na cidade. Algo comum no mundo do Trap, cantores fazerem suas marcas ou estão envolvidos em Collabs com grandes marcas, já consolidadas mundialmente, como por exemplo: Gucci, Nike, Adidas.
Deixo claro aqui que esse é o meu ver pessoal, percebo que esse grupo, atualmente, representa essa nova geração que, inevitavelmente, tem sim responsabilidade com o que se fala nas músicas, mas não é mais o que chamamos de Rap de mensagem e não necessariamente compõe críticas sociais como citamos acima no grupo de transição.
Tenho total apreço por todos envolvidos com esse movimento na cidade. Os que citei aqui, nada mais é do que uma identificação mais forte da minha parte para com os grupos citados.