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Trocando seis por meia dúzia

Editorial

Mudança estética não significa avanço na luta por dignididade e liberdade. A manutenção do capitalismo continua e Joe Biden não esconde sua burguesia

Presidente Joe Biden - Foto: Jim Watson/AFP


No último dia 20, tomou posse o quadragésimo sexto presidente norte-americano, Joe Biden e sua vice, Kamala Harris. Especialmente depois da invasão ao Capitólio - um ápice simbólico e prático do trumpismo - Biden e Kamala ganharam cada vez mais contornos de mudança positiva, fim da barbárie, angariando de última hora apoio de vários parlamentares conservadores.


Com uma campanha repleta de aspectos que giram em torno da identidade e diversidade, vimos uma estratégia vindo forte na onda pós "Black Lives Matter" (Vidas Negras Importam, em tradução livre), repersentada em grande medida por Kamala (mulher negra e filha de imigrantes) como vice. Com um discurso conciliador, inclusivo e progressista em temas como racismo, imigração, população LGBTQIA+ (inclusive, e isso é bom, tendo nomeado pessoas assumidamente dessa comunidade para cargos importantes após tomar pose), violência, etc; a dupla também se afastou do lunático ex-presidente em temas como combate ao aquecimento global e defesa da ciência contra a pandemia.


Mas, nem tudo são flores. Na verdade, longe disso. Claro que qualquer aceno mais progressista é melhor que as mazelas de um Trump na presidência. Muita gente se empolgou, comentou e viu com bons olhos, pintando a vitória democrata como a salvação para o país. Diariamente o novo governo é pauta de noticiários. Voltar para o Acordo de Paris e a OMS (Organização Mundial da Saúde), por exemplo, é necessário, mas não se engane. Como assertivamente pontuou João Carvalho, do podcast Revolushow: mudança estética não significa mudança ética.


Democratas ou conservadores (e essa polarização em si já deveria ser discutida como um dos vários problemas da democracia norte-americana), uma coisa permanece igual: o caráter imperialista e genocida da maior potência do capitalismo. Só uma coisa diferencia Biden e sua turma de Trump e seus comparsas: o primeiro irá usar luvas de seda, o segundo usou de ferro.

Não caia nas armadilhas discursivas do neoliberalismo. O imperialismo continua, até porque ele é vital para os EUA. Principalmente América Latina, África e Ásia continuarão tendo seus territórios usurpados e o sangue de seus povos derramado.


Se atente a política externa, por exemplo: continuam reconhecendo o direitista e representante da burguesia venezuelana, Guaidó, como presidente legitimo (coisa que ele não é) por conta de seus interesses petrolíferos; mantém e podem adicionar sanções econômicas (uma das armas mais cruéis do imperialismo norte-americano, que mina a economia local, afeta diretamente a população e causa mortes) à Venezuela; o embargo contra a China (recentemente criou-se um grupo de “democracias”, países que se dizem democratas e acompanharão o cerco multilateral a China); o diplomata intervencionista Antony Blinken é o novo secretário de Estado e aponta para a manutenção da tradicional política norte-americana no mundo; também continuam apoiando Israel e suas políticas genocidas contra o povo palestino; continuam o cerco a Rússia e não devem voltar ao acordo nuclear com o Irã. Isso sem contar que, historicamente, os EUA participaram dando apoio a vários golpes de estado e intervenções pelo globo. A política externa imperialista independe do partido no poder (Obama, inclusive, era farinha do mesmo saco).


Internamente, problemas e contradições continuam. Pretende-se colocar uma roupa de social-democracia, mas que na prática é falsa e mina qualquer chance de democracia popular; a inclusão e a diversidade são “commodities” aqui também (esse tema foi discutido em texto publicado essa semana no nosso site sobre a mesa redonda “Cinema como intervenção política” que aconteceu na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes); o caráter neoliberal das pautas identitárias aflora já que pautas progressistas são cooptadas: mantém a pauta enquanto capa, mas tira seu conteúdo de classe (é uma armadilha); o novo governo dificilmente vai criar um seguro de saúde público e universal, mesmo com a pandemia; os ICEs (Immigration and Customs Enforcement) serão mantidos; a guerra no Afeganistão e a intervenção na Líbia continuam; sua “amizade” (e tráfico de armas) com a “querida” Arábia Saudita, também.


E nisso a gente está deixando de fora as várias acusações de Biden por estupro e a proximidade de Kamala com Wall Street. Assim, democratas ou conservadores, com seda ou ferro, o que temos em essência se mantém: imperialismo cruel e sádico, onde negros, latinos, indígenas e pobres norte-americanos continuarão a receber as migalhas dos ricos. Mudança estética e não ética.



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