Victor Hidalgo
Uma história sobre meteoritos, pandemia e Minik, um garoto que perdeu seus parentes
História
JM traduz texto de Erin L. Thompson, historiadora da arte, advogada e professora no Departamento de Arte e Música do John Jay College of Criminal Justice

Garoto Inuit Minik. Foto: Acervo/Reprodução
Enquanto fazemos protestos sobre estátuas que glorificam ideologia racista, também precisamos pensar sobre coisas que acabaram parando dentro de museus por conta de suposições da superioridade branca. Aqui está uma história - sobre meteoritos, pandemia e Minik, um garoto que perdeu seus pais e o seu mundo.
Esse é o meteorito de Ahnighito (conhecido pelo seu nome americano de meteorito de Cape York), que está hoje no Museu Americano de História Natural, em Nova York. O museu convida os visitantes a tocar esse objeto que é quase tão antigo quanto o próprio sol. Descoberto em 1894 na Groenlândia, esse meteorito de ferro chocou-se com a Terra cerca de 10,000 anos atrás.

Meteorito Ahnighito no Museu Americano de História Natural. Foto: Acervo/Reprodução
Apenas que… ele não foi “descoberto em 1984”. Essa foi apenas a primeira vez que um homem branco, Robert Peary, colocou seus olhos nele. Ele jurou que levaria Ahnighito e outros dois pedaços do mesmo meteorito de volta para Nova York, para pesquisa científica. Então, quem se importa?
Para os Inughuit - grupo Inuit vivendo na Groenlândia - esses meteoritos foram sua fonte principal de ferro desde o século XII. Eles viajavam por dias até chegar ao local, levando pedras de basalto pesadas o suficiente para martelar pedaços de metal para fazer lâminas.
Caso contrário, eles usavam lâminas menos eficientes feitas de ossos ou dentes. Os Inughuit protegiam tanto sua fonte de metal que eles se recusaram dizer a James Ross, o primeiro explorador europeu que teve contato com eles (em 1818), onde estava.
Porém, Ross coletou ferramentas de metal e escreveu sobre elas, como elas deveriam ter vindo de um meteorito. Isso inspirou Peary, que jurou em 1894 que ira encontrá-las e tomá-las. Levou múltiplas expedições, mas ele finalmente conseguiu.

Ahnighito vindo a bordo, envolto em uma bandeira estadunidense. Foto: Acervo/Reprodução
Peary prometeu uma arma de fogo para um Inughuit, para que o homem mostrasse onde o meteorito estava e contratou mais deles para carregá-lo até seus navios.
Os Inughuit chamavam esse meteorito de “Tenda,” mas Peary o renomeou para “Ahnighito” - o que é e não é um nome Inuit. Ele o nomeou em homenagem ao nome do meio de sua filha Marie’s - ela nasceu durante uma das suas expedições, e uma mulher chamada Ahnighito costurou para ela um traje de neve para bebês.
Knud Rasmussen pegou um dos últimos pedaços remanescentes do meteorito de Cape York minado pelos Inughuit para Copenhagen em 1925, e outro pedaço não trabalhado, presumidamente desconhecido aos Inughuit, foi levado a Copenhagen em 1967.
Se os Inughuit quisessem mais ferro, eles iriam ter que conseguir ele no sul. A coleta científica acabou deixando essa antes isolada e autossuficiente para a comunidade dependente dos Europeus.
Porém, não foi apenas meteoritos que Peary levou. Ele também levou Inughuits.
Em outubro de 1897, vinte mil Nova-iorquinos pagaram 25 cents cada para entrar a bordo do navio de Peary no estaleiro naval do Brooklyn para ver Ahnighito. Peary trouxe 6 Inughuits com ele, incluindo um garoto de 7 anos de idade chamado Minik e seu pai viúvo.

Minik e Inuits. Foto: Acervo/Reprodução
Peary prometeu que iria levá-los de volta para Groenlândia depois de um ano, mas apenas um homem retornou. Os outro quatro morreram de tuberculose e outras doenças desconhecidas. Minik, ficou órfão e foi adotado por William Wallace, o superintendente do Museu Americano de História Natural. O museu pagou 40 mil dólares por Ahnighito.
Em 1907, Minik leu em um jornal reportagem clamando que o funeral de seu pai tinha sido uma farsa. A matéria dizia que tinha visto um enterro de um tronco envolto em uma mortalha no terreno do museu, enquanto o corpo de seu pai fora dissecado e preservado no armazém do museu.
Após tentar sem sucesso por anos recuperar o corpo de seu pai, Minik voltou para a Groenlândia em 1909. Em 1916, ele voltou aos Estados Unidos. Ele estava trabalhando como um lenhador em New Hampshire quando faleceu por conta da pandemia da gripe espanhola em 1918.
Lembram-se como o Museu Americano de História Natural convida visitantes para tocar Ahnighito? Sua sinalização explica que é okay fazer o mesmo por conta de sua superfície já estar danificada por séculos sendo martelada. Na sua exibição científica, a história do povo que o usou e perdeu o meteorito não importa.
Nossos museus estão cheios de objetos que foram roubados de pessoas que eram consideradas não merecedoras de mantê-los. Objetos com histórias ocultas, e que são difíceis de encontrar os Miniks debaixo dos Ahnighitos.
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Vocês podem seguir a professora e historiadora Erin L. Thompson no Twitter pelo @artcrimeprof e acompanhar seu trabalho.
Link para o texto original na página da professora: https://twitter.com/artcrimeprof/status/1284114081859985413?s=20